Justiça de SP determina que Metrô interrompa implantação de sistema de reconhecimento facial

24/03/2022

Decisão é liminar e foi concedida pela juíza Cynthia Thome, da 6ª Vara da Fazenda Pública. Na sentença, ela alega que Metrô não apresentou nenhuma comprovação de que o sistema será usado apenas para ações de Segurança Pública, o que pode “atingir direitos fundamentais dos cidadãos”.

Por Léo Arcoverde, GloboNews — São Paulo


Passageiros em plataforma de estação do metrô  — Foto: Andre Borges/Agência Brasília

Passageiros em plataforma de estação do metrô — Foto: Andre Borges/Agência Brasília

A juíza Cynthia Thome, da 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou nesta terça-feira (22) que o Metrô de São Paulo interrompa o processo de obtenção de informações sobre seus rostos e expressões coletadas, mapeadas e monitoradas por meio de tecnologias de reconhecimento facial. A decisão é liminar (provisória) e cabe recurso a instâncias superiores.

O pedido de interrupção do sistema de coleta de informações de 4 milhões de usuários diários do Metrô foi feito por um grupo de entidades, incluindo as defensorias públicas da União e do Estado e outras entidades, como o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu).

Na decisão, a magistrada afirma que nos documentos do edital de contratação da empresa responsável pelo sistema, no contrato ou nos questionamentos feitos no âmbito do referido processo licitatório, o Metrô “não foi disponibilizou qualquer informação sobre os critérios, condições, propósitos da implementação do sistema de reconhecimento facial pela Ré Companhia do Metropolitano de São Paulo”.

“O Metrô, até o momento, não apresentou informações precisas sobre o armazenamento das informações e utilização do sistema de reconhecimento pessoal. Alega que No mais das vezes, no entanto, o tratamento de dados pessoais realizado nas estações de Metrô estará ligado à Segurança Pública e/ou atividades de investigação e repreensão. Porém, nada está formalizado”, disse a juíza.

“A utilização do sistema para atender órgãos públicos, por ora, não passa de mera conjectura, fato que, por si só, indica a insegurança do sistema que se pretende implantar. Há uma série de questões técnicas que necessitam de dilação probatória para serem dirimidas. Todavia, presente a potencialidade de se atingir direitos fundamentais dos cidadãos com a implantação do sistema”, declarou a sentença.

De acordo com as entidades que ajuizaram a ação, o sistema de reconhecimento facial que começou a ser implementado pelo Metrô de São Paulo não atende aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e nos tratados internacionais.

Por meio de nota, o Metrô disse que até o momento não foi intimado da decisão, mas, ainda assim, “reforça que irá recorrer e prestar todos os esclarecimentos à justiça, já que o novo sistema de monitoramento obedece rigorosamente o que prevê a Lei Geral de Proteção de Dados”.

Início do processo

 Movimentação de pessoas na estação Paraíso do Metrô, em São Paulo.    — Foto: RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Movimentação de pessoas na estação Paraíso do Metrô, em São Paulo. — Foto: RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

A ação civil pública com o objetivo de impedir o reconhecimento facial no Metrô foi ajuizada em 3 de março. Assinam a ação a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Defensoria Pública da União, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Artigo 19 Brasil e América do Sul e Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu).

De acordo com as entidades, o sistema de reconhecimento facial que começou a ser implementado pelo Metrô de São Paulo não atende aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e nos tratados internacionais.

Na época do início do processo, o Metrô informou, por meio de nota, que “a implantação do sistema atende aos requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e que o órgão vai prestar todos os esclarecimentos necessários” (leia nota completa abaixo).

A ação civil pública é resultado da análise dos documentos apresentados pelo Metrô de São Paulo relativos a uma ação judicial anterior que cobrava informações sobre a implementação do projeto.

O edital de licitação que prevê a implementação do sistema nas linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha foi publicado em julho de 2019 no Diário Oficial do Estado. O consórcio Engie Ineo Johnson foi anunciado vencedor, com uma proposta de R$ 58,6 milhões.

A ação postula que a Justiça determine ao Metrô a interrupção imediata do sistema que prevê reconhecimento facial em suas dependências. Além disso, pleiteia o pagamento de indenização de pelo menos R$ 42 milhões (valor previsto no contrato para implementação dessa tecnologia) em decorrência dos danos morais coletivos pelo prejuízo causado aos direitos dos passageiros.

Em junho do ano passado, as primeiras 91 câmeras foram instaladas nas estações Belém, Carrão e Guilhermina, da Linha 3-Vermelha. A previsão era de que 5.800 câmeras fossem instaladas por todas as estações de metrô.

Problemas

Parte da ação aponta que as tecnologias de reconhecimento facial elevam exponencialmente o risco de discriminação de pessoas negras, não binárias e trans. Segundo o documento, mesmo os melhores algoritmos dispõem de pouca precisão ao realizar o reconhecimento de pessoas negras e transgênero, que ficam mais expostas a constrangimentos e violações de direitos.

A ação questiona ainda o uso de imagem e a coleta e tratamento de dados pessoais sensíveis de crianças e adolescentes, sem que haja o consentimento dos pais ou responsáveis, em frontal violação ao que determina a LGPD, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a proteção constitucional.

As organizações destacam que a iniciativa está na contramão de medidas de outros países, em especial na Europa e nos EUA, que apontam para uma restrição no uso massivo desse tipo de tecnologia, pelo seu caráter invasivo e seu potencial de estabelecer um cenário de vigilância e monitoramento das pessoas que transitam em espaços públicos. Nos últimos anos, empresas como Microsoft, IBM e Amazon também informaram que vão suspender a venda de soluções de reconhecimento facial para o uso policial, por potencial violação aos direitos humanos.

O que disse o Metrô na época da ação

“O Sistema de Monitoramento Eletrônico (SME3) não tem reconhecimento facial do cidadão ou qualquer personificação ou formação de banco de dados com informações pessoais. Ele é exclusivo para o apoio operacional e atendimento aos passageiros. Com ele, é possível fazer a contagem de passageiros, identificação de objetos, monitoramento de crianças desacompanhadas, invasão de áreas como a via por onde passa o trem, animais perdidos, ou monitoramento de deficientes visuais pelo sistema, gerando alertas nessas situações para que os funcionários ajam rapidamente.

A implantação do sistema atende aos requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O Metrô prestará todos os esclarecimentos necessários.”

Notícia completa: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/03/22/justica-de-sp-determina-que-metro-interrompa-implantacao-de-sistema-de-reconhecimento-facial.ghtml